Oito ou oitenta

Vou começar esse post com um aviso: eu não estou aqui pra falar de fofurinhas, de coisas que a Marie Kondo falaria na série dela. Eu tô passando por um momento difícil, e esse pareceu um bom espaço pra organizar os meus pensamentos: livre o suficiente pra eu poder falar o que tiver se passando na minha cabeça, mas estruturado o suficiente pra não ser exatamente como é na minha cabeça. Como diria Rebecca Bunch: "Good, an abstract theatrical space. Now I can actually think".

Depois de ter passado por dias horríveis em que todos os meus sintomas voltaram em potência total sem nenhum motivo aparente (dica: se você estiver fazendo tratamento pra depressão e o remédio começar a te fazer bem, não. troque. a. marca!!!!!!!), eu tô finalmente começando a me sentir como eu mesma - o que quer que isso signifique. Tô fazendo quase todas as refeições, tomando banho quase todos os dias. Tomei decisões importantes sobre o meu futuro. Falei sobre trauma com a minha psicóloga, e também com a minha mãe. Me abri com os meus amigos sobre o que eu tô passando enquanto tá acontecendo, e não meses depois, de um jeito resumido e engraçadinho pra diminuir a situação. Eu posso honestamente dizer que as coisas tão melhorando; que depois de tanto tempo achando que eu ia me sentir pra sempre assim, agora eu realmente acredito que esse não é o caso.

Mas eu ainda não tô bem.

Se tem uma coisa que eu aceitei há muito tempo é que eu vivo no 8 ou 80, nos extremos das situações. Eu vou ser a pessoa mais vulnerável do mundo e me declarar pra menina que eu gosto depois de uma semana ficando com ela (também conhecido como "mais um dia normal em um relacionamento lésbico"), e também vou me fechar e levar anos pra falar pros meus amigos que "ei, na verdade eu tô passando por um momento difícil, mas por favor ignorem tudo que eu acabei de falar e vamos conversar sobre as aventuras do nosso bff em Paris!!!".

Ter me aberto pra pessoas que eu amo não foi bem o processo catártico que a gente vê na televisão: a pessoa abre seu coração sobre os seus sofrimentos, é acolhida incondicionalmente pelos amigos e família e sente que tirou um peso das costas. E não é que eu não tenha sido acolhida pelos amigos e família: meus amigos movem montanhas pra serem compreensivos e me apoiarem no que eu precisar, minha mãe sinceramente tá fazendo tanto esforço pra me ver feliz que eu acho que, se eu decidisse que o que eu quero pra minha vida agora é largar tudo e ir trabalhar em um abrigo pra cachorros de rua, ela me ajudaria a entregar currículo em todos os canis do litoral catarinense.

(E sim, eu estou plenamente consciente do privilégio que isso é. Assim como eu tenho noção da quantidade de gente passando por coisas parecidas com as minhas que não tem acesso fácil a psiquiatras, medicamentos, psicoterapia. Poderia escrever um texto inteiro só sobre isso - o que não seria uma ideia ruim).

Compartilhar o que tá acontecendo com pessoas próximas, não pra pedir que elas me salvem, mas pra que elas me apoiem (uma diferença significativa no modo como eu me relaciono), também significa compartilhar histórias ruins, memórias difíceis que eu tento ao máximo ignorar. Parece que abre uma porta pra "sala das memórias reprimidas" e elas começam a fugir dali contra todos os meus esforços. Tô no banho pensando sobre como seria fazer estágio em uma escola e a minha cabeça diz "ei, lembra aquela vez que seus amigos do ensino médio invadiram seu facebook e ficaram rindo das suas conversas?". Saio de um passeio no shopping com uma amiga e o pensamento surge como uma notificação do Google Agenda: "Lembrete: revisitar a memória daquele dia que você ficou chorando no canto do banheiro e teve que ir num plantão psicológico pra falar de um relacionamento que já tinha acabado há um ano". Não é uma sensação muito legal, e não dá vontade de compartilhar uma única parte da minha vida; o instinto é voltar a ser a "luly fofinha", que assa cookies e sabe todas as músicas de Frozen.

A parte contraditória é que, enquanto me abrir e ser vulnerável trouxe todos esses "efeitos colaterais" bem desagradáveis, escrever sobre isso realmente faz eu me sentir melhor. Eu tô escrevendo esse texto e me questionando "será que eu vou compartilhar isso pras pessoas verem?", e a resposta é sim, eu vou. Eu vou escrever sobre todos esses sentimentos conflitantes e as coisas pesadas que eu tô passando e me sentir bem com isso, mas mandar uma mensagem dizendo "cara, tive uma noite difícil, tô bem ansiosa" vai exigir toda a minha energia - e talvez eu ainda acabe apagando depois.

Por hora, é isso que eu consigo compartilhar aqui. Não tô bem, mas tô melhor do que eu tava antes. Consegui organizar alguns aspectos da minha vida e tô fazendo um esforço pra tomar decisões mais saudáveis pra mim. Me abri com as pessoas que eu amo e falei sobre coisas bem sérias, e fui acolhida da melhor maneira possível. Ainda assim, minhas plantas tão quase morrendo e eu não consigo levantar pra dar água nelas, e eu acho que a minha janta de hoje vai ser bala de iogurte.

Eu avisei que aqui era tudo 8 ou 80, não avisei?


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